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À Mesa Do G8 Estava A Crise Alimentar (24 Pratos)

sabata

GF Ouro
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Os países ricos reuniram-se esta semana numa cidade japonesa com um nome lindo - Toyako - e com uma elevada quantidade de misérias em cima da mesa. Sim, nós, os jornalistas, temos uma atracção pelos lugares-comuns: drogamo-nos com isso. E então, demasiadas vezes, quando queremos enunciar os assuntos de uma reunião, dizemos que o grupo X "tinha em cima da mesa". Sim, numa reunião há sempre uma mesa. Portanto, esta semana, como os jornais de todos o mundo anunciaram, os dirigentes do G8 tinham "em cima da mesa" a crise alimentar e a fome no mundo, disparada pelo preço das matérias-primas e do petróleo.

Os assuntos eram graves mas, como já tinha acontecido em anos anteriores, toda a gente sabia, a começar por quem lá estava sentado "à mesa", que nada de transcendental poderia sair daquela reunião, como já nada de transcendental tinha saído das anteriores (o muito do que tinha saído não foi cumprido). Passando por cima de outra discussão - que é a de o G8 ser um grupo de onde estão excluídos países como o Brasil ou os países produtores de petróleo, à margem dos quais as conversas caem em saco roto -, as reuniões do G8, pela sua ineficácia, já só servem para os activistas de rua se irritarem com a reunião dos ricos e chamarem a atenção para as misérias (que os ricos alegam ir ajudar a resolver) cá fora.

E, desta vez, aconteceu a caricatura. Como se o organizador da cimeira de Toyaco fosse um magnífico conspirador contra o G8, um submarino da alterglobalização, um cómico perverso. Afinal, em cima da mesa do G8, ao jantar, alguém decidiu (provavelmente um manipulador gauchiste) servir 24 pratos aos mais ricos do mundo. Jornais como o El Mundo ou o Guardian deram ao jantar honras de primeira página - e bem. Uma cimeira que não serve para nada, não decide nada com substância, avança com uns dinheiros para ajudar a combater a crise alimentar, mas escapa à discussão dos biocombustíveis e - ridículo dos ridículos - atira para 2050 o compromisso para diminuir as emissões de dióxido de carbono, serviu para caricaturar da melhor maneira possível os países ricos.

Os ricos jantam, claro. O facto de, despudoradamente, o fazerem ao estilo da orgia do império romano diz muito mais sobre os riscos, humanitários e políticos, da crise alimentar do que qualquer outro símbolo dos tempos recentes. O jantar do G8 é o retrato de um mundo bipolar, onde pontifica a Europa a cujas costas chegam todas as semanas cadáveres de imigrantes ilegais, a Europa de Berlusconi que anda a "fichar" ciganos - num miserável censo de que a União Europeia não se tem demarcado o suficiente. O senhor Maroni, o ministro do Interior de Berlusconi, é tão bom como Jorg Haider, mas mais bem tratado pelos líderes europeus. "Se não têm pão, dêem-lhes brioches" é uma frase do século XVIII e não acabou bem.

Ana Sá Lopes (dn)
 
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