Onze milhões salvam Shell do tribunal
Petrolífera holandesa, acusada de conspirar com exército nigeriano para aniquilar ambientalistas no delta do Niger, evita julgamento após acordo com famílias das vítimas.
Em 1995, dias antes de ser enforcado, por ordem de um tribunal, o activista nigeriano Ken Saro-Wiwa jurou: "Um dia a Shell será levada à justiça." Catorze anos depois, a profecia do condenado quase se concretizou. A petrolífera holandesa não se sentou no banco dos réus para responder pela "guerra suja contra o povo Ogoni" - do Delta do Níger. Mas, pode dizer-se que teve de pagar o preço.
Num acordo de última hora para evitar o julgamento por cumplicidade na violação de direitos humanos, a Shell aceitou pagar 15,5 milhões de dólares (quase 11 milhões de euros) às famílias de Saro-Wiwa e outros oito activistas mortos às ordens do regime militar nigeriano na década de 1990.
O gigante petrolífero afirmou a sua inocência e disse que o pagamento é um esforço de "reconciliação". Mas defensores dos direitos humanos vêem na sua cedência um marco na luta para responsabilizar as grandes multinacionais por abusos sociais e ambientais.
Jennie Green, jurista do Centro para os Direitos Constitucionais, que levou o caso a tribunal, em 1996, disse: "Esta é uma das primeiras vezes em que uma multinacional é responsabilizada", disse ao The Guardian. "O acordo prova que essas empresas não tem a mesma impunidade que antes."
O acordo foi alcançado após 10 dias de intensas negociações e satisfez as famílias das vítimas. O filho de Saro Wiwa, Ken, disse que o pai teria ficado satisfeito com o desfecho. O advogado de acusação, Paul Hoffman, explicou que se o julgamento fosse por diante, as famílias podiam ganhar, mas teriam pela frente anos e anos de pedidos de recurso.
O argumento não convenceu alguns juristas que, como Stephen Kretzman, da Oil Change International, viram na pressa da Shell em "comprar uma saída" um sinal do seu receio de que provas comprometedoras fossem levadas ao tribunal nova-iorquino.
A petrolífera holandesa devia responder por conspiração, com o Governo militar nigeriano, na captura e enforcamento dos nove activistas. Além disso, a Shell era acusada de cumplicidade na tortura, detenção ilegal, exílio forçado e tentativa de assassínio de milhares de pessoas que, nos anos 1990, tentaram travar a exploração de petróleo no sul da Nigéria.
A empresa terá fornecido veículos de combate, barcos e munições ao exército em troca dos seus raides espalhando terror pelas "aldeias rebeldes".
Uma das provas guardadas pelo tribunal é uma carta, com data de 1994, em que a Shell aceita financiar uma unidade ao exército por "serviços prestados". Dias antes, essa unidade tinha resgatado um veículo da companhia da aldeia de Korokoro, numa operação em que foi morto um homem e feridos dois outros.
A Shell é actualmente a maior petrolífera a operar na Nigéria, com perto de 90 poços no território daquele país anglófono do centro de África. A sua presença, porém, vem desde 1958. Os problemas com os ogonis só começaram nos anos 1990. Em 1993, atrás do ambientalista Ken Saro-Wiwa, 300 mil pessoas participaram em protestos não violentos contra a devastação do ecossistema do Delta causada por oleodutos.
No ano seguinte, Saro-Wiwa e outros oito activistas foram detidos e levados a tribunal sob acusações que a comunidade internacional suspeitou terem sido inventadas. Os homens seriam torturados, agredidos, julgados sem direito a defesa e condenados à morte.
A acção judicial contra a Shell foi interposta em 1994 com base numa lei de 1789, criada para combater a pirataria, que hoje é usada contra multinacionais em casos de crimes contra a humanidade.
fonte:dn