Médicos espanhóis estão a abandonar o interior do país
Fonte: Jornal Público
17.06.2008
O fluxo de médicos galegos, extremenhos, andaluzes e de outras regiões de Espanha "está praticamente parado", confirma Carlos Lopez Salgado, vice-presidente de Profissionais de Saúde Espanhóis em Portugal (APSEP). "Agora, os espanhóis estão a procurar oportunidades de trabalho na sua região de origem", diz.
As unidades de saúde nas zonas raianas já estão a ressentir-se da falta de médicos espanhóis. Em 2007, entre 800 e mil médicos espanhóis exerciam a sua actividade no Norte de Portugal, na grande maioria nos centros de saúde, diz o número dois da APSEP. Cinco anos antes havia três mil. Neste momento, a estimativa (não há dados oficiais) aponta para menos de dois mil médicos espanhóis no Norte.
Na região alentejana chegaram a trabalhar quase 400 médicos oriundos da Extremadura espanhola. Agora o número deve estar entre 100 a 150 profissionais. Os restantes distribuem-se pela região centro, Algarve e zonas litorais. Lopez Salgado diz que a grande maioria, cerca de 80 por cento, são médicos e o resto enfermeiros. No final de 2007, o ministro da Saúde espanhol, Bernat Soria, admitia existirem cerca de 1700 espanhóis nas unidades hospitalares portuguesas.
Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos, reconhece que as carências de médicos de família vindos de Espanha sentem-se sobretudo nas regiões do interior. Um caso concreto: dos 103 médicos do Centro Hospitalar do Baixo Alentejo (CHBA), 12 são médicos espanhóis com vínculo ao quadro e 26 estão em prestação de serviços, "o que denota um grau de dependência muito grande" em relação aos profissionais do país vizinho, acentua Rui Sousa Santos, presidente do conselho de administração do CHBA.
O Norte é a região mais afectada. O bastonário da Ordem dos Médicos fala do elevado número de médicos galegos nas unidades de saúde de Chaves, Montalegre, Boticas, Miranda do Douro, onde "cerca de metade dos quadros eram espanhóis", o mesmo acontecendo com o hospital de Faro, "muito dependente de profissionais" vindos da região de Huelva. Dados dos serviços de saúde espanhol confirmam que o quadro médico algarvio conta com 20 por cento de médicos do país vizinho e no distrito de Viana de Castelo a percentagem sobe para os 24 por cento. O caso mais paragimático regista-se no serviço de urgências de Ponte de Lima, onde, em 16 médicos, 14 são oriundos da Galiza.
O presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve (ARSA), Rui Lourenço, salienta, a este propósito, que o Hospital do Barlavento Algarvio contratou especialistas que "voltaram à Andaluzia depois de arranjarem melhor colocação". Noutras unidades de saúde da região alguns médicos novos que se encontravam a fazer a especialidade também estão a regressar ao seu país. Nos concelhos do Sotavento Algarvio, que eram considerados "lugares de eleição", os médicos espanhóis "deixaram de aparecer", observa ainda o presidente da ARSA.
À espera de licenciados
Este cenário de escassez de profissionais de saúde não assusta Pedro Nunes. O bastonário diz que a situação "não é grave", justificando que as dificuldades serão superadas dentro de três a quatro anos. Nessa altura, os cerca de 1400 novos licenciados que neste momento estão a frequentar as faculdades portuguesas estão em condições de preencher boa parte dos lugares até agora ocupados por médicos espanhóis.
O bastonário acrescenta que o fluxo migratório de clínicos espanhóis sempre viveu de vindas e idas. Dos cerca de 1500 que, em média, todos os anos e durante mais de uma década, chegavam a Portugal, 90 por cento regressavam ao seu país depois de tirar a especialidade. Pedro Nunes recusa partilhar as preocupações dos responsáveis dos serviços de saúde portugueses, alegando que tem havido "falta de inteligência" na forma como estão a deixar partir "quadros muito bons".
Sousa Santos reage, dizendo não ter condições financeiras para corresponder às exigências que estão a ser colocadas pelos médicos espanhóis, que tentam fazer valer as enormes dificuldades resultantes da falta de médicos na região alentejana. "Pagamos 3000 euros para os aguentar", enquanto os da carreira "têm se suar a estopinhas" para ganhar o equivalente. O que acontece, acrescenta o presidente do CHBA, é que os espanhóis "vão-se embora quando ficam na posse do título da especialidade".
Nestas condições, investir na manutenção dos bons quadros, como defende Pedro Nunes, "é profundamente irrealista", quando "estamos impedidos de o fazer" devido às restrições orçamentais, que impuseram um congelamento da verba para a contratação de recursos humanos.