África do Sul: 880 vítimas de xenofobia chegaram hoje a Maputo de comboio
África do Sul: 880 vítimas de xenofobia chegaram hoje a Maputo de comboio
Maputo, 25 Mai (Lusa) - Um total de 880 moçambicanos que escaparam da violência xenófoba na África do Sul chegaram na tarde de hoje a Maputo, elevando para 26.434 o número de retornados na sequência dos ataques aos estrangeiros naquele país.
As vítimas de xenofobia que embarcaram hoje no principal terminal da empresa Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) viajaram de comboio durante cerca de 24 horas, desde a África do Sul, numa acção organizada pelo Governo moçambicano, através dos seus consulados naquele país e do Centro Operativo de Emergência (CENOE) do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC).
Composto maioritariamente por crianças, mulheres e jovens, o grupo foi recolhido das diversas esquadras dos subúrbios da capital comercial da África do Sul, Joanesburgo, para onde se refugiaram a partir do dia 11 deste mês, quando se deram os primeiros focos de ataques contra estrangeiros naquele país.
Sem as marcas físicas da brutalidade infligidas às vítimas dos primeiros ataques contra os estrangeiros na África do Sul, os moçambicanos que hoje chegaram ao terminal dos CFM em Maputo foram a tempo de escapar sãos e salvos e com boa parte dos seus pertences, por viverem em zonas que foram afectadas pela crise nos dias posteriores à sua eclosão.
Apesar da revolta generalizada contra a população sul-africana, em particular contra a etnia maioritária zulu, alguns moçambicanos só escaparam com vida com a solidariedade de alguns vizinhos sul-africanos, segundo depoimentos colhidos pela Lusa no terminal dos CFM em Maputo.
Entre os que tiveram a "sorte" de serem ajudados por pessoas da etnia dos agressores, encontra-se Zaurinha António Sitoe, de 18 anos, que conseguiu fugir da sua casa em chamas, porque a sua vizinha sul-africana Mekisse deixou que se escondessem numa geleira avariada que se encontrava no quintal da sua residência.
"Foi difícil fugir, porque havia mais de 50 pessoas a cercar a casa, enquanto outros revistavam lá dentro à procura de machanganas ( uma das etnias do sul de Moçambique que é usada pelos sul-africanos para identificar todos os moçambicanos", disse Sitoe.
"Não morremos, porque Mekisse deixou que nos escondêssemos numa geleira estragada que está no quintal da sua casa", acrescentou Zaurinha António Sitoe, que foi à África do Sul em Janeiro, para se juntar ao marido, mecânico, que já lá vivia "há muito tempo" e também escapou ileso.
Zaurinha António Sitoe não esconde a revolta que sente por ter sido traída por "conhecidos" sul-africanos, com quem ela e o marido se cruzavam todos os dias.
"Conheço a maior parte do grupo que incendiou a nossa casa, porque vivem (na zona) de Primrose, (Joanesburgo), e até me lembro de alguns nomes...vi Thembele, com machado, e também Ace, com um pau grande", descreveu Sitoe, que diz não tencionar voltar àquele país, porque "as coisas estão piores".
A pouca solidariedade sul-africana nestes dias em que o ódio contra os estrangeiros matou mais de 50 pessoas e provocou o êxodo de mais de 30 mil também salvou Arlindo Manhiça, de 23 anos de idade, que saiu ileso e a tempo de levar o mais importante dos seus bens, porque "Justice", a dona sul-africana da casa onde vivia no bairro de Ramaphosa, aceitou que se escondesse na sua casa e lá deixasse os seus bens.
"Consegui tirar duas camas, coluna de som, um aparelho DVD, computador e algumas panelas, porque a polícia aceitou escoltar-me da casa da senhora Justice, até à esquadra, de onde fui levado até à estação de comboios", contou Manhiça, que deixou para trás a sua profissão de pedreiro.
Como a maior parte do grupo que chegou hoje, Arlindo Manhiça também conhece os atacantes que, de "pás, catanas, paus e armas de fogo" em punho, correram com a comunidade moçambicana residente em Ramaphosa e ateou fogo às suas casas, deixando um rasto de morte.
"Conheço-os, porque são de onde fugi, são pessoas complicadas, que nunca gostaram de estrangeiros, mas nunca pensei que um dia chegariam a este ponto", ressalvou Manhiça, que não sabe se volta ou não para aquele país, onde a campanha xenófoba afecta nove das 11 províncias sul-africanas.
"Vai depender da situação lá, se acalmar posso voltar, mas se conseguir emprego em Moçambique, fico cá, porque há uma situação de guerra lá", sublinhou.
A maior parte dos moçambicanos que chegaram hoje, que estão de resto em sintonia com os outros depoimentos prestados por outros compatriotas seus afectados pela xenofobia, não tem dúvidas em relação aos motivos dos ataques de que têm sido alvo desde o passado dia 11: "Não gostam de nós moçambicanos, porque gostámos de trabalhar e aceitámos salários que eles não aceitam. Estamos a ser punidos, porque gostámos de trabalhar", insiste Dinis Manhique, 28 anos.
Manhique teve mais azar relativamente aos outros, porque só conseguiu fugir com a roupa que trazia no corpo e uma maleta de ferramentas, quando foi aconselhado pela polícia a não regressar ao bairro de Backsburg, "porque a situação não dava", perdendo tudo o que amealhou em cerca de cinco anos de trabalho numa firma de montagem de tijoleiras.
O director do INGC, João Rbeiro, afirmou que os moçambicanos que chegam ao país ao abrigo do programa de repatriamento esboçado pelo Governo - há muitos que voltam por sua própria conta-, são temporariamente alojados no centro criado para o efeito em Beluluane, distrito da Matola, cerca de 12 quilómetros da capital moçambicana, de onde serão encaminhados para as suas zonas de origem.
"O primeiro grupo, constituído por aqueles que pretendem ir para as províncias daqui do sul do pais, parte de Beluluane na segunda-feira, e os que vão ao centro e norte do país saem do centro nos próximos dois ou três dias", sublinhou Ribeiro.
PMA
Fonte:Lusa/fim